sexta-feira, junho 29, 2007

Solto uma lágrima solitária ao deambular pelo corredor onde habita a ingratidão.
Duas novas lágrimas rolam à conta das mentiras, à minha volta criadas.
A terceira reflecte a amargura perante a falta de confiança.
A quarta faz-me sentar no chão e olhar o céu.
Enquanto a quinta se desprende da minha alma, viajando pelos contornos da minha face, uma estrela cadente sussura-me: - Antes do sol há sempre trovoada!
Encolho-me no chão, um vazio enorme e de repente o meu coração avisa-me:
- Ainda não desisti de acreditar na chegada do sol...
Uma borboleta esvoaçando em torno do arco-íris, um olhar compenetrado, dir-se-ia pousado no horizonte longuínquo da estação primaveril. Colocar um flor enfeitando os cabelos, desenhar um coração sobre a areia molhada, ou quiça apanhar o eléctrico onde o senhor simpático vende algodão doce. Piscar o olho à estátua do Fernando Pessoa, jogar ao pião, soltar um suspiro, fazer bolinhas de sabão, andar ao pé cochinho, comer pastéis de nata com canela, queimar a língua com uma castanha quente.
Confrontar-me com um olhar amoroso, sentir o toque da chuva, dançar embalada pelo vento, correr por entre um cerejal, retirar as pevides de uma maça cortada aos pedaços...
Em quantas partes se divide a vida?

quinta-feira, junho 28, 2007

" há poesia nos olhos de uma mulher [...] E, no entanto, quem pode negar a presença do mal na mulher! [...] Desde Eva, ou Lilith, a rainha dos demónios (...)"

In A Boca do Inferno de Ana Miranda
pp 206. Companhia das Letras

Desde os primórdios que a mulher é entendida como um demónio, uma feitiçeira que embriaga o sujeito, amarrando-o às suas teias diabólicas. Mas será esse feitiço um mal em si, ou o supremo elixir da vida?

Sempre que penso eu oculto ou em proibído, penso em escorpião... E acredito que existem duas vertentes relativamente ao oitavo signo do zodíaco. A primeira: um escorpião agarrado ao plano material, possessivo e portador de sentimentos conturbados, condutor do mal e de todo o tipo de destruição. E um escorpião espiritual, imensamente profundo na sua essência, ascendendo a uma percepção da vida para além do plano material, despojando-se assim de qualquer tipo de maldade, cultivando apenas a plenitude da vida muito pautada pelo amor ao próximo e pela partilha.

Em ambos os casos, as duas vertentes escorpiónicas são altamente poderosas e imensamente intensas, acarretando cada uma delas o medo.

É no primeiro tipo de vertente escorpiónica que a Humanidade se vem desenvolvendo, e eu pergunto-me, porquê? Por existir uma maior quantidade adepta da filosofia escorpiónica um, não têm coragem de estar sós, ou em minoria? Por não terem capacidade de percepcionar a outra vertente? Porquê?

Refutando a afirmação citada: Os homens não se perdem nos olhos de poesia de uma mulher, os homens perdem-se na materialização fútil e corriqueira da poesia levada a cabo por algumas mulheres. Tal como as mulheres em relação aos homens.

Afinal o que é a Lilith? Algo superior, pleno de brilho, mas que provoca medo devido à sua intensidade, ou essa banalização que tudos criticam, mas onde todos caiem?

Ao invés de uma mulher, talvez Lilith seja o escorpião que se movimenta nas suas duas vertentes e que inevitavelmente convida o ser humano a optar. Lilith = descoberta da vida. (*)

Será que sabemos o que é realmente o mal? Não haverá um mal, máscara do bem?

(*) De salientar que a mulher é focada como o mal, em primeiro lugar devido à concepção machista estruturada e enraizada na cultura ocidental desde os primórdios (também é dado adquirido em outras culturas, mas aqui interessa-me a ocidental) e igualmente, como desculpa convenientemente usada pelo homem. Aliás, é típico do ser humano colocar as culpas na exterioridade que o rodeia, ele será sempre a pobre vitíma (negam a igreja católica, mas os seus dogmas mais absurdos estão impregnados na conduta humana).

A minha opinião é a de que o mal é partilhado.

A citação é retirada dum romance histórico que retrata o século XVII brasileiro, o que explica, desde já, esse tipo de filosofia machista, tida como quase uma espécie de lei, a par do carácter vulnerável e irresponsável do ser humano. O pior é observar que não é muito diferente do que se passa e pensa hoje, quatrocentos anos depois.

quarta-feira, junho 27, 2007

O que é o amor?

O que é afinal o amor?
Ora vejamos, a primeira teoria que se têm acerca do amor é que este abarca a estabilidade e durabilidade de uma relação. Logo um casal que mantenha um relacionamento de longa duração é, à partida, um casal que se ama e que conseguiu enraizar esse amor.
Depois temos a concepção de amor assolapado, onde um namoro se inicia hoje com o casal a amar-se loucamente. O interessante é que passado uma semana toda a magia se desvaneceu e às pessoas tornam-se indiferentes uma para a outra. Em última linha de análise temos a confrontação do amor com a respectiva dependência e possessividade afectiva.
No primeiro caso poderemos observar casais que estão juntos há anos, mas que simplesmente não se conhecem, não falam sobre os seus sentimentos, não partilham emoções, partilham apenas uma casa, despesas, filhos, etc. Quantas mulheres são espancadas pelos maridos, ou vice-versa? E as traições a cada um sujeita o seu parceiro? Onde está o respeito? Muitas das vezes cada um segue a sua vida, sem a partilhar. Realmente a relação tem durabilidade, não por amor, mas porque parece bem aos olhos da sociedade coabitar, ou por comodismo, ou ainda porque é difícil estar só. Há durabilidade, uma fictícia estabilidade e uma profunda amargura.
No segundo caso, assistimos a uma chama intensa que facilmente se apaga, talvez porque a sua intensidade não seja suficientemente forte e verdadeira.
O terceiro caso está intimamente ligado com os anteriores e espelha ainda a falta de identidade de muitas pessoas.
No primeiro caso assistimos a uma relação pseudo-sólida, a chamada relação de posse. Eu tenho um marido, é meu. Ou a uma relação de dependência: eu preciso do meu marido para me pagar as contas porque não me apetece trabalhar. Eu preciso da minha mulher para apresentar aos meus sócios a imagem de família feliz e estável.
No segundo caso repete-se a mesma lenga-lenga. "Eu preciso de ter alguém porque não consigo estar só" (dependência/posse).
Há ainda a vertente do "amar é sair de mim e absorver a identidade de outro alguém”. Será que isso é realmente amor? Não será uma espécie de dependência/posse aliada à falta de identidade? Uma relação subentende-se como uma consecutiva partilha de valores, e uma constante evolução e aprendizagem conjunta. Como é que eu posso partilhar algo se não tenho nada que seja meu? Se eu absorvi a identidade do meu parceiro, nada me resta.
A meu ver, o amor é algo demasiadamente badalado, todos afirmam senti-lo, mas, perdoem-me o elitismo, são poucos os que tem a capacidade de o entender e sentir. E porque? Por que chegar a ele implica um longo percurso, onde somos chamados a crescer, a amadurecer emocionalmente, a trabalhar arduamente, a desprendermo-nos de sentimentos mesquinhos. O amor é um tesouro, onde só os genuinamente puros de alma e coração a ele ascendem. É efectivamente uma espécie de troféu, só que neste caso, não é com trapaças que lá chegamos. Mais do que ganhá-lo é preciso saber senti-lo e isso só se aprende com muito querer. O mundo não o conhece, banaliza-o, pseudo afirma-se como seu portador. Daí as lágrimas que diariamente são derrubadas. O amor não é dor. Não sofremos por amor, sofremos por nos agarrarmos a sentimentos desnorteados, possessivos, diabólicos. Sofremos pela podridão que acumulamos dentro da nossa alma.
O amor é uma luz, é a paz, a plena essência, o expoente máximo da aprendizagem humana.

É missão OBRIGATÓRIA do homem aprender a senti-lo, desprendendo-se do egoísmo, marca registada da condição humana.

terça-feira, junho 26, 2007

Um dó li tá...

Um dia disseram-me que a vida não passava de um jogo onde era obrigada a ganhar (fosse de que maneira fosse) para ser reconhecida e poderosa, ou até mesmo plena de materialidade. Por que afinal dos "fracos não reza a história".

Mas a vida para mim é "um dó li tá". Eu corro, sonho, viajo, estudo, aprendo, SINTO! Não me interessa chegar em primeiro, interessa-me chegar e pelo caminho aprender. Mais do que um jogo, a vida é uma essência que necessita ser encontrada a cada dia, a cada volver de estação. Não procuro o reconhecimento dos outros para me sentir vencedora, procuro que a minha alma se reconheça, porque só assim vou seguir em frente...

Um dó li tá, sentada na relva, contemplando a natureza e observando cada espécie animal, percebo quão infinita e plena de pepitas emocionais se tece a vida.

Deixo os prémios para os ambiciosos e a aparência para quem não tem essência. Prefiro ficar aqui, ouvindo o chilrear dos pássaros, a flauta do amor, compondo em seguida uma doce e breve canção: Um dó li tá!

Eu sou um aquário...

Hoje sinto-me cada vez mais um aquário...
Livre, plena de emocionalidade, toda eu sou um aquário...
O recipiente sagrado, onde o tesouro se esconde, radiante... Um aquário!
A vida avança, as crianças jogam à macaca e o sol espreguiça-se, esboçando um sorriso maroto. Eu suspiro ao contemplá-lo, repenicando uma cantarola da minha infância.
No aquário, a água já transborda, salpica pelos terrenos infértis,
humedece-os, fá-los renascer denovo e esquecer um tempo de seca, onde a vegetação morria, sedenta de uma pequena gota de àgua que a alimentasse.
E o peixe dourado, onde está? Caiu do aquário e para lá não consegue voltar? Sucumbiu? Ou caiu em algum esgoto urbano?
Eu sou uma aquário... com um vidro delicado mas resistente, colorido e melancólico, imensamente profundo...
Sou um aquário colocado no centro da existência humana, explodindo diariamente, chuviscos de emoção...

segunda-feira, junho 25, 2007


Adormecido Endimião, despojado de toda e qualquer preocupação, viajas pelo infinito e ditirâmbico mundo dos sonhos.
Anseio embriagar-me nesse teu sono profundo, almejo a eternidade, a descoberta da profunda felicidade, o adocicado espiritual.
No teu regaço inicio a viagem e apenas sei que te quero amar, perdendo-me contigo, no mais profundo e infinito de "nós".
A materialidade de nada nos serve, é preferível cerrar os olhos e dar alimento à nossa alma, saltitando de emoção em emoção, de aprendizagem em aprendizagem.
O vento uiva enraivecidamente, enquanto duas almas se entrelaçam, imbuídas num singelo e nobre querer indestrutível.
O vento por fim resigna-se e um clarão enradia na floresta.
Perante o amor todos se vergam, mas nem todos tem o privilégio de o sentir...
O pião rodava sem parar, diabolicamente...
O menino extasiado contemplava-o, esquecendo tudo ao seu redor. A cada novo rodopiar, a sua mente perdia-se por entre espirais de pensamentos, emaranhando-os ao ponto de se tornar imperceptível decifrá-los...
Até que subitamente o pião parou, uma brisa suave inundou a rua amarela e grafitada e a criança, um pouco anestesiada, eu diria mesmo atordoada, relaxou, tendo posteriomente de uma maneira compassada e deliciosamente vagarosa, cogitado:
- É essencial olhar uma flor e penetrar no âmago de cada pétala, do seu caule, do aroma que diariamente ela exala ao mundo.
- Mas o pião não me deixa... Devo pará-lo ou continuar como num carrocel, onde me movimento rapidamente mas sou desprovido de essência?