Os olhos inundados de lágrimas espelhavam a dor e a falta de coragem em pronunciar uma única palavra...
Lembro-me de o ver prostrado ao redor da mesa, sucumbindo num gemido gélido e extremamente impressionante para os meus infelizes olhos. Subitamente desatou a gritar. Apelidava-se de covarde, de monstro, de doido, falava algures ao longo do seu discurso extremamente distorcido pela aflição, em por um termo à sua vida pois não suportava a vergonha perante o que tinha feito, não suportava a vergonha que sentia ao ver-se ao espelho. Sentia-se um pedaço de pão bolorento, um Zé ninguém.
Aquela imagem grotesca até hoje me aterroriza... assisti naquele quarto a uma morte lenta, agonizante. Dia após dia a situação piorava, o Ricardo já pouco comia, vomitava dia e noite, chorava (quando os pulmões o permitiam), estava fraco, acamado. Era a decadência em forma de gente!
Eram 16h da tarde do dia 12. Uma tarde de verão sublime, mais parecia uma paleta de cores gritantes. Decidi visitá-lo. Encontrei-o de olhos semi cerrados, tossindo compulsivamente.
- Aproxima-te Adelaide, disse ele num tom muito rouco.
Aproximei-me dele, dei-lhe a mão. Uma lágrima rolou sobre o seu rosto pálido e ele começou a contar-me:
- Sabes mocita, acho que neste momento sei o que é o amor de verdade. O arrepio que me gela a espinha, o coração apertado, o mundo que de repente ganhou outra forma.. a alegria que sinto no meio de tanta dor. O amor foi o graal que encontrei numa vida marcada por sucata. Sou um asno, não o soube agarrar.
- Sabes que és muito especial para mim não sabes? Perdoa-me por ter sido um covarde e não te ter dito o que sentia, mas...
Subitamente sinto a mão dele a agarrar a minha com força, senti uma mescla de medo com euforia, foi surreal. A sua voz começou a falhar-lhe, não sei se por estar extremamente assustada, ou por outro factor que ainda não tive a oportunidade de reflectir convenientemente, por momentos abstraí-me do discurso dele, só me apercebi da parte final:
- Amo-te Adelaide, sempre te amei! Agradeço todos os dias a Deus (se é que ele existe) por me ter dotado de visão, foi ela que me permitiu observar cada contorno do teu meigo rosto. Foste sem dúvida a coisa mais bonita que me aconteceu na vida, meu anjo sem asas.
- Perdoa-me por ter sido um covarde!
Era tarde, as palavras que eu uma vida inteira desejara ouvir tinham sido pronunciadas naquele preciso instante, mas era tarde, o meu eterno amor jazia no seu leito para todo o sempre.
Uma vida inteira amigos, uma vida inteira enamorados um do outro e ninguém tivera coragem de o dizer.
Carrego comigo esta culpa para todo o sempre, assim como o meu amor carregou o meu coração com ele.
Caso as minhas lágrimas com a dor e o remorço que me gelam a alma.
Como fui impotente, a covarde sou eu que te deixei partir sem saberes que te amava...
Ó que diabo de burrice humana!
terça-feira, junho 20, 2006
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2 comentários:
diz-me uma coisa linda
não te vou perguntar a idade
mas tenho de te fazer uma pergunta semelhante
quantas vidas tens ?
o anonimo sou eu
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